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Moeda social e a circulação das riquezas na economia solidária(1)

Fábio Luiz Búrigo (2)


Universidade Federal de Santa Catarina
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Programa de Pós-Graduação Sociologia Política - 2000/2
Disciplina: Análise Sócio-Política do Sistema Financeiro no Capitalismo Contemporâneo
Professor: Ary C. Minella

Florianópolis, fevereiro de 2001


 

Se a gente compreendesse realmente o nosso sistema bancário e monetário creio que amanhã de manhã haveria uma revolução aqui (Henry Ford Junior)

 

Apresentação

 O sistema financeiro internacional assumiu papel central nas estratégias de expansão das sociedades capitalistas contemporâneas. Controlado hegemonicamente por grupos e conglomerados empresariais de caráter financeiro, a dinâmica do sistema repercute cada vez mais nas grandes decisões econômicas mundiais.

Não obstante a sua importância política, social e econômica, o funcionamento do sistema financeiro (com suas constantes inovações) parece ainda pouco compreendido pela maioria das pessoas e pelas organizações da sociedade civil. A magnitude e complexidade exigem um grande esforço investigatório aos que desejam desvendar as crises sistêmicas que rondam periodicamente o mercado financeiro, e criam enormes desafios para quem discute mecanismos efetivos de controle social ao setor. Ressalte-se que essas dificuldades são geradas tanto pelas inovações tecnológicas (obtidas principalmente com o apoio da telemática) quanto pelas novas formas de articulação dos agentes que atuam no circuito financeiro (redes transcorporativas envolvendo atores governamentais, agentes multilaterais e órgãos privados). Além do mais, o sistema monetário atual é engenhosamente baseado no artifício da carência crônica e epidêmica de dinheiro. O objetivo desta política, efetuado por governos e bancos é o de proteger o valor do dinheiro (dos ricos) (Strohalm, 2000).

Em função desse quadro ganha força o debate sobre os impactos sociais e econômicos resultantes do processo de globalização do capital financeiro. Acentuam-se as críticas dos que afirmam que a homogeneização das finanças mundiais (tendo o dólar como ícone), além de corroborar para o aumento das diferenças entre os ricos e os pobres e entre as nações centrais e as periféricas, vem colaborando para a geração de crises globais do setor e mostrando as dificuldades de se estabelecer marcos regulatórios eficazes, sob o ponto de vista democrático.

Além do mais, as incertezas e perplexidades, que rondam o padrão monetário "convencional" estimulam o surgimento e a expansão de formas alternativas de organização financeira. Um rápido olhar sobre parte desses movimentos, não obstante as suas diferenças operacionais, indicam que eles apareceram com o objetivo de combater o processo de concentração econômica e ampliar a força dos excluídos do circuito financeiro tradicional.

Certas experiências alternativas estruturam-se como instituições bancárias, mas orientando suas políticas para o desenvolvimento de programas de microfinanças solidária (como o Grameen Bank de Bangladesh); algumas defendem formas de gestão cooperada, como as cooperativas de crédito; outras preferem, por sua vez, criar organizações civis especializadas em produtos financeiros direcionados às camadas mais pobres da população, como os "bancos do povo". Merece registro também os sistemas de crédito gerenciados comunitariamente, como é o caso do "Palmcard" (cartão de crédito criado por uma associação de bairro, na cidade de Fortaleza).

Mais recentemente ganha expressão outra experiência nessa área. Trata-se dos clubes de trocas, em que circulam moedas cunhadas pelos próprios participantes. Esses clubes já existem, sob diferentes formas, em diversos países desenvolvidos como: Canadá, Estados Unidos, Japão, Austrália, Nova Zelândia, Holanda, França, Espanha, Inglaterra; e em países periféricos, tais como: México, Colômbia, Chile, Equador, Tailândia, Indonésia, Uruguai, Brasil e Argentina. No Brasil tem-se conhecimento da existência de clubes de trocas que utilizam moedas próprias nas cidades de São Paulo (cinco grupos), Rio de Janeiro, Fortaleza, Florianópolis e Porto Alegre.

Em cada uma dessas experiências a moeda adotada assume nome e regras próprias. Alguns grupos começam a denominar suas moedas de "sociais", justamente por elas terem sido criados por movimentos interessados no funcionamento de circuitos de trocas e de novos instrumentos monetários, a serviço de uma economia diferente daquela que impera na ordem capitalista.

Cabe frisar que, longe de representar um instrumento "neutro" de funcionamento da economia, o dinheiro sempre carregou dentro de si uma dose de simbolismo vinculado ao círculo do poder. Para autores como Dodd, o dinheiro sempre e onde quer que seja usado, não se define por suas propriedades como objeto material, mas pelas qualidades simbólicas genericamente vinculadas ao ideal de outorga irrestrita de poder (Dodd,1997)

O intuito do presente artigo é discutir o ressurgimento do debate e do uso alternativo da moeda. Inicialmente procura-se resgatar brevemente o papel do dinheiro e do sistema monetário único na sociedade capitalista. O tópico seguinte destaca experiências de criação de instrumentos monetários alternativos, sendo complementado com o relato sobre as moedas paralelas, uma vez que elas se constituem num fenômeno bastante comum, mesmo nos dias atuais. Dar-se-á especial destaque, na última parte, aos clubes de troca da Argentina, que vem empregando a chamada moeda social.

 

Breve retrospecto do uso do dinheiro

 Ao longo da História, as sociedades humanas desenvolveram inúmeras fórmulas para efetivar as trocas de produtos e bens. Em algumas zonas, as trocas se baseavam em padrões monetários de valor material, empregando produtos de origem animal, vegetal ou mineral; em outras, as comunidades concretizavam suas relações comerciais através da troca de objetos de valor simbólico e cultural, sem uma utilidade prática, tais como adereços, conchas, etc. Essas trocas estimularam o desenvolvimento de feiras, alcançando grande importância econômica (e social) em diversas regiões, por exemplo, na Ásia, Europa Mediterrânea, no Oriente Médio e Norte da África. Esses mercados livres demonstraram que o comércio e as trocas já eram uma vocação de diversas sociedades humanas, muito antes do surgimento do sistema capitalista e das moedas nacionais.

Sabe-se que a construção e manutenção do poder político na sociedade moderna passava, e ainda passa, pela criação de um processo de legitimação simbólica e jurídica da moeda única. Geralmente, a consolidação de uma moeda oficial única em determinado território ocorre somente após se conseguir eliminar outras moedas que estão em circulação. Além disso, as autoridades estão sempre em alerta, procurando evitar o surgimento de moedas emitidas por setores descontentes com a moeda existente. Por outro lado, em certos momentos, tanto em períodos de guerra como de paz, as autoridades determinam a substituição da(s) moeda(s) corrente(s), como forma de impor ou recuperar seu status político ou financeiro. Muitas vezes, as moedas colocadas em desuso carregam consigo obrigações e dívidas que os governantes não desejam, ou não podem mais honrar (Braudel, 1995).

A partir da consolidação dos estados nacionais e das relações de produção capitalista, o dinheiro passou a incorporar novas funções, tornando-se sinônimo de riqueza e de poder coletivo e pessoal, como frisou Goethe: o poder do dinheiro é o meu poder (citado em Marx, 1989). Não é por outra razão que os autores clássicos (Marx, Weber e Simmel) davam grande destaque ao papel do dinheiro (e ao capitalismo financeiro), ao analisarem o funcionamento dos sistemas econômicos e, em especial do sistema capitalista. Marx discutiu como o dinheiro se transforma em capital e os conceitos de valor de uso e valor de troca das mercadorias no capitalismo. Assinalou, também, o papel de alienação exercido pelo dinheiro no capitalismo, característica vital para a perpetuação dos processos de dominação e controle social.

O poder de perversão e de inversão de todas as qualidades humanas e naturais, a capacidade de entre coisas incompatíveis estabelecer a fraternidade, a força divina do dinheiro, reside no seu caráter como ser genérico alienado e auto-alienante. Ele é o poder alienado da humanidade (Marx, 1989).

Weber estudou o papel do dinheiro nas sociedades ocidentais modernas, a sua importância para a racionalização da vida social e a definição dos preços dos bens e serviços. Ele classificava o sistema financeiro como um caso especial de poder, preocupava-se com o controle do dinheiro e o poder das instituições financeiras e do Estado (Mizruchi e Stearns 1994).

Nos estudos sociológicos de Simmel, o dinheiro era constantemente referenciado como sendo uma instituição fundamental no desenvolvimento das relações econômicas. Simmel concordava com a visão de Marx sobre o papel alienante do dinheiro nas sociedades capitalistas, mas enfatizava que a moeda proporcionou maior liberdade pessoal nos negócios e facilitou as transações econômicas. Ela tornou-se um instrumento de interação de caráter anônimo e menos sujeito às obrigações sociais (Mizruchi e Stearns 1994).

Embora o interesse principal do presente trabalho não seja o de analisar as funções do dinheiro pode-se recorrer a uma síntese estabelecida pelo Cedac(3), para se entender melhor o seu papel no sistema capitalista contemporâneo. Segundo o referido trabalho, o dinheiro assume as seguintes funções:

O dinheiro é o equivalente geral - ou seja, pode ser trocado por qualquer mercadoria.

O dinheiro é medida de valor - todos os bens e serviços em circulação num território podem ser medidos em dinheiro, o que permite quantificar o seu valor e relacioná-los com outras mercadorias. Por outro lado, como ressaltam Mizruchi e Stearns (1994) somente quando os membros de uma sociedade concordam em definir o dinheiro como válido é que ele realmente adquire valor. A essa ressalva pode-se acrescentar também uma observação da teoria marxista, na qual o valor das mercadorias é igual à quantidade de trabalho gasto para produzi-las, e os preços são estabelecidos somando-se o valor das mercadorias mais o lucro que o produtor deseja receber (gerando nesse processo a "mais valia").

O dinheiro é um instrumento da circulação das mercadorias - o valor de troca das mercadorias no sistema capitalista é expresso em moedas, através dos preços. O dinheiro serve como unidade de medida para se efetuar essas trocas. Desse modo, o dinheiro é empregado para efetivar a mediação entre a compra e a venda, que sem a sua existência precisaria ser realizada diretamente. O dinheiro permite que as trocas de mercadorias possam ser indiretas, pois não precisam ocorrer ao mesmo tempo e nem entre as mesmas pessoas, como ocorriam nas feiras dos primórdios da civilização ou no escambo.

O dinheiro é um meio de pagamento - O dinheiro assume aqui sua função de viabilizar o pagamento futuro de uma mercadoria. Funciona como forma de operacionalizar o sistema de crédito.

O dinheiro é reserva de valor - Através da poupança o dinheiro serve para dar origem à acumulação. Dentro da sociedade capitalista a poupança acumulada serve para viabilizar a realização de investimentos, através de financiamentos.

Deve-se salientar ainda que a moeda pode assumir outras características, quando analisada sobre prismas distintos daquele de caráter técnico-econômico. Mizruchi e Stearns (1994), citando Zelizer, destacam que o dinheiro adquire múltiplo significado, de acordo com o contexto social em que está inserido. Quando representa o poder de comprar bens e serviços à família, tem um sentido "doméstico", que é diferente do dinheiro "institucional", utilizado como capital (fundos de crédito e políticas do Estado), e que, por sua vez, é distinto do dinheiro "moral", oriundo de fontes religiosas ou de caridade. Em cada caso, ele assume um caráter simbólico específico e tem uma lógica própria de utilização(4).

Num trecho admirável, as conseqüências sócio-culturais do uso do dinheiro são assim resumidas por Dodd:

...o ideal de outorga irrestrita de poder, de liberdade total de agir e incorporar à vontade, se encontra no cerne da conceituação do dinheiro em geral como meio simbólico transparente. É essa a base do desejo de possuir dinheiro, do próprio conceito do dinheiro que é essencial em qualquer decisão de aceitá-lo em pagamento, de trabalhar por ele, e economizá-lo ou entesourá-lo, de sentir ao mesmo tempo repulsa e fascínio por aquilo que o dinheiro parece habilitar as pessoas e instituições a fazer (Dodd, 1997).

O referido autor ressalta ainda que o papel político do dinheiro faz dele um facilitador poderoso da reprodução de assimetrias de riqueza, poder, renda e propriedade na sociedade (Dodd, 1997). Além do mais, como o sistema monetário atual favorece o desvio de dinheiro dos países pobres para os ricos, aqueles sofrem escassez de dinheiro para investimentos e padecem de desorganização. Pois esta desnecessária e artificial carência de dinheiro impede [a sociedade] de atrair e organizar os talentos das pessoas (Strohalm, 2000).

No entanto, é preciso ter em conta que, ao lado da sofisticação dos instrumentos monetários modernos, algumas formas alternativas de trocas (re) surgiram no século XX, em várias partes do mundo. Como se verá a seguir, as moedas alternativas aparecem como contraponto das políticas monetárias adotadas pela maioria dos países capitalistas.

 

As moedas alternativas

Apesar da imposição das moedas nacionais ter sido uma das estratégias mais evidentes do sistema capitalista, ao longo dos últimos três séculos, alguns exemplos de uso de moedas alternativas foram registrados nesse período(5). Uma das experiências mais interessantes nesse sentido refere-se à aplicação da teoria da "oxidação da moeda" Para essa teoria, as moedas deveriam perder o seu valor de troca com o passar do tempo. Sem tornar-se inflacionário (pois a desvalorização é controlada), o sistema de redução programada do valor da moeda foi uma das teses mais defendidas pelo economista Silvio Gesell (6). Ele acreditava que a poupança desestimula a circulação monetária, gerando problemas como a recessão e a concentração de renda.

A moeda livre nos anos 1930

A tese da circulação máxima da moeda foi testada pelo menos em dois países europeus durante o século XX. No ano de 1930, em Schwanenkirchen na região da Baviera (Alemanha), um proprietário de uma mina de carvão endividado propôs pagar seus empregados com um bônus chamado de "Wära" (Wäre significava mercado) (Laacher, 2000). Porém, esse bônus perdia seu valor ao longo do tempo, o que obrigava o seu portador a utilizá-lo imediatamente. Os comerciantes acabaram aceitando tais bônus dos trabalhadores, devido à carência de Marcos (moeda oficial) na cidade. Com o bônus nas mãos, os comerciantes começaram a convencer os seus fornecedores a aceitá-los, fazendo crescer rapidamente o espaço de circulação do Wära. Em 1931, quando cerca de 2000 empresas já participavam do circuito, o Banco Central alemão interditou o sistema, alegando o seu monopólio na emissão de moeda (Lietaer, 2000).

Uma experiência semelhante ocorreu em 1932, na vizinha Áustria, onde o prefeito da pequena comunidade de Worgl (4.300 habitantes), enfrentando uma taxa de desemprego de 35%, resolveu imprimir bilhetes bancários especiais. Esses bilhetes possuíam timbres que perdiam 1% de seu valor, a cada mês. O valor dos bilhetes era lastreado por somas equivalentes depositadas num banco local. Dois anos mais tarde, Worgl era a primeira vila austríaca a reencontrar o pleno emprego. Com o uso dos bilhetes, a Prefeitura viabilizou a realização de diversos trabalhos de infra-estrutura na cidade (serviços de água, estradas, reflorescimento...). Constatou-se que os bilhetes circulavam cerca de quarenta vezes mais rápido que a moeda oficial, em virtude da taxa de juros negativa. Com isso, mais de duzentas comunidades vizinhas resolveram seguir o exemplo de Worgl. Quando a experiência estava virando um centro de referência para os economistas, o Banco Central austríaco resolveu interditar o sistema. Apesar dos protestos dos moradores a experiência não pode prosseguir, pois a Corte Suprema rejeitou os recursos efetuados pela comunidade (Lietaer, 2000).

No ano de 1933, o relato da experiência de Worgl, efetuado por um professor da Universidade Yale (Irving Fischer), impressionou cerca de 400 vilas norte-americanas, que resolverem criar suas "moedas de emergência", como forma de combater a recessão econômica. A idéia desencadeou um movimento em defesa da expansão desse tipo de moeda para todo o território dos Estados Unidos, envolvendo, inclusive, parlamentares e técnicos do governo.

No entanto, as moedas livres foram abandonadas não por serem inviáveis tecnicamente, mas por pressupor uma forte política de descentralização e enfraquecimento do poder federal, o que entraria em choque com os novos ideais de centralizar e controlar a economia, trazidos por Roosevelt através do New Deal (Lietaer, 2000).

É preciso indicar, nesse passo, que durante a Grande Depressão norte-americana espalharam-se redes de trocas sem moedas, abarcando em certo momento mais de um milhão de pessoas. Contudo, estas redes de trocas foram desbaratadas pelo início da Guerra e no momento em que as políticas de bem estar passaram a ser responsabilidade do estado federal (Singer, 1999).

Outras experiências semelhantes, porém de menor porte, foram observadas na França durante a Primeira Guerra Mundial. Em 1933 foi criada uma "moeda auxiliar" na cidade de Nice, a fim de estancar a concentração das riquezas e ajudar as novas atividades econômicas. Depois em Cher (1956) e em Marans (1958) são impressas as moedas livres, que também duram apenas um ano por pressão dos serviços fiscais (Lietaer, 2000).

Segundo Laacher (2000) pode-se observar que as experiências de criar moedas francas foram geralmente bloqueadas seja pelos governos federais, seja pelos bancos centrais ou pelos fiscais locais. Elas nasceram em territórios demarcados e normalmente desprovidos de desenvolvimento, de trabalho e onde o dinheiro oficial andava escasso. Muitas dessas propostas eram inspiradas nas teorias de Gesell. Laacher, no entanto, sustenta que o sistema beneficiou mais diretamente grupos profissionais como os comerciantes, artesões e agricultores que se encontravam em dificuldades econômicas, mas não modificou diretamente a realidade dos trabalhadores e das pessoas em situação de exclusão (7).

A moeda livre dos anos 1980

A proposta de se criar uma moeda alternativa volta à tona durante os anos 1980, numa vila próxima da cidade de Vancouver, no Canadá. Michael Linton, um analista de sistemas colocou em vigor o Lets (Local exchange trading system), quando o poder aquisitivo local decaiu, em razão da recessão econômica advinda com a crise na indústria madeireira e a transferência de uma base aérea dos EUA para outra província (Singer, 1999).

Os Lets se configuram como um clube de troca, onde o dinheiro oficial é substituído por uma moeda própria. Os Lets auxiliam também no combate à falta de poder aquisitivo da população, causado pelas políticas monetárias restritivas, impostas pelo sistema oficial:

Un Club de Trueque es una asociación de personas desempleadas o subempleadas, es decir, que tienen potencial productivo desaprovechado por falta de demanda y necesidades insatisfechas por falta de dinero. En el Club se crea la demanda faltante y, al mismo tiempo, las personas satisfacen sus necesidades comprándose productos unas a otras. Se trata de un huevo de Colón, cuyo secreto está en la emisión de una moneda propia del Club, que genera la demanda al monetarizar las necesidades insatisfechas de los miembros (Singer, 1999).

Embora existam inúmeras variações operacionais em cada Lets, todos os clubes respeitam certas regras, tais como: em suas transações não se obtêm ganhos através de juros; todas as trocas são acordadas diretamente entre as duas partes e; as contas de cada integrante do grupo estão disponíveis à verificação de todos. Tomando como base as observações de E. Bowring, Singer ressalta que existem dois tipos de Lets: os que enfatizam o papel econômico dos intercâmbios, promovendo o máximo crescimento dos clubes através do envolvimento com empresas dispostas a comercializar seus produtos via moeda comunitária, e os que priorizam seu papel social, procurando criar mercados comunitários em que participam apenas os produtores autônomos locais. Esses últimos preocupam-se em estimular as práticas solidárias e evitar as tendências concentradoras dos mercados "puros" (Singer, 1999). De 1983 até 1988 foram criados cerca de vinte Lets no Canadá, muitos dos quais não prosperaram pela perda de confiança entre seus membros. Porém, no mesmo período, outros Lets surgiram e se espalharam por vários países do mundo (Laacher, 2000).

Na Nova Zelândia os Lets apareceram em 1986, tendo conseguido eleger deputados, a partir dos grupos existentes. Na Austrália, os Lets surgiram em 1987 adotando o nome de "Dinheiro Verde" (Mutirão Aboporu, 2000). Os clubes australianos contaram, inclusive, com o apoio do governo, que se mostrou interessado em ajudar na sua consolidação e expansão. Em 1994, um só grupo australiano, integrado por cerca de 2000 membros, movimentava o equivalente a U$ 40.000 por mês.

No Reino Unido a idéia do Lets surgiu em 1985, sendo que uma década depois já somavam 400 grupos, envolvendo cerca de 20.000 aderentes (Singer, 1999). Os Lets ingleses obtiveram, também, certo apoio de autoridades locais.

Os Lets cresceram rapidamente, podendo-se estimar a existência de, aproximadamente, 1500 sistemas semelhantes espalhados pelo mundo. Na Europa eles já aglutinam cerca de 100.000 pessoas (Blanc, 2000). Na França, a experiência adotou o nome de SEL (Systèmes d’Echange Locaux). As trocas no SEL funcionam via um bônus intransferível, que permite aos aderentes adquirir bens e serviços existentes num catálogo gerado pelos membros.

De acordo com Laacher (2000), as experiências francesas foram inspiradas em duas vertentes. De um lado, elas são ligadas às correntes de autores que defendiam uma utopia socialista e revolucionária como Marx, Fourrier, Proudhon, Owel e Gesell. Esses autores viam o dinheiro como uma arma a favor do poder capitalista e que por isso devia ser "domesticado". Ou seja, para se alcançar às necessidades fundamentais da população é imperativo controlar o dinheiro e o mercado e não o inverso, em que os setores financeiros controlam a sociedade e a economia.

De outro lado, os SEL cresceram a partir das experiências de criação de moedas francas, surgidas na primeira metade do século passado (conforme foi citado anteriormente).

Laacher (2000) argumenta ainda que, diferentemente das utopias socialistas que pretendiam ser universais e integradoras, os integrantes dos SEL estão mais preocupados na inserção local. Buscando discutir com as esferas locais as estratégias do desenvolvimento do seu território, os SEL pretendem estabelecer trocas equitáveis de bens e serviços e criar um ambiente de solidariedade e conhecimento recíproco entre os membros (8). Os SEL não utilizam mecanismos financeiros clássicos (bancos, poupança, investimentos) como forma de combater a exclusão. Diferentemente de quem defendem, a inserção dos excluídos na economia capitalista, os SEL procuram estabelecer uma ruptura com o mercado existente, criando uma espécie de circuito próprio de comercialização, que funciona em forma de rede. Visa também restabelecer a confiança como valor essencial e permitir que as pessoas tenham acesso as trocas independentemente de seu status social. Com isso, os SEL pretendem obrigar o Estado a refletir sobre os limites do padrão econômico atual, na área da produção, avaliação e redistribuição das riquezas.

Como se viu, o uso (ou as tentativas de) de instrumentos monetários distintos do oficial é um fenômeno freqüente. Porém, ele torna-se ainda mais comum quando se adota como referência o conceito de moedas paralelas. É o que se verá a seguir.

 

Moedas paralelas

Esse tópico procura sintetizar dois textos de Jeròme Blanc a respeito do uso de moedas paralelas (9) Nos textos, o autor descreve uma pesquisa sobre o uso de moedas paralelas em todo o mundo. Sua investigação, mesmo limitada ao período de 1988 a 1996, apontou uma gama muito grande de crises monetárias e de acontecimentos ligados ao tema. Na sua coleta, o autor detectou 465 exemplos de uso de instrumentos monetários paralelos, em 136 estados nacionais (Blanc, s/d). Para Blanc, o termo moedas paralelas pode ser definido como:

Unidades de cobrança diferentes das unidades de cobrança nacional, ou também como meios de pagamentos que diferem dos meios nacionais, mas que dispõe de um poder de liberação legal, que dispõe de uma garantia de convertibilidade com a moeda central e que são emitidas sob um certo controle da autoridade monetária nacional (Blanc, s/d).

O autor enfatiza que as moedas nacionais de países mais fortes economicamente são consideradas como as únicas que circulam de forma paralela às moedas oficiais (como é o caso do dólar, na maioria dos países periféricos). Todavia, esse entendimento está equivocado, pois em todos os países as moedas estrangeiras são apenas parte de uma vasta lista de instrumentos monetários paralelos e que fazem a economia funcionar. Segundo o autor, esses instrumentos paralelos podem ser divididos em quatro grupos (ver Quadro 1):

Derivados de uma coletividade territorial - São aqueles criados dentro de um território, por uma coletividade que pode ser o Estado, tais como os bônus de privatização ou moedas antigas ainda em uso. Esse tipo de moedas totalizou 58% dos instrumentos pesquisados. Aqui está incluído também a URV, uma moeda paralela criada pelo governo brasileiro, no início do Plano Real, em 1994. Ela agiu na forma de indexador, facilitando a transição para a nova moeda e para estancar a hiperinflação. As moedas estrangeiras são as mais importantes desse grupo, pois totalizam cerca de 33% dos instrumentos monetários censados (sendo o dólar a moeda mais empregada). Cabe frisar que as moedas estrangeiras são, muitas vezes, as mais assumidas como instrumentos monetários de valor reconhecido, especialmente em momentos de crise.

Derivados de organizações de tipo comercial ou administrativo - São os instrumentos emitidos por empresas, bancos ou outras organizações de caráter privado. Nesse grupo estão os programas de milhagens e de fidelização dos clientes, os bônus de compra com validade limitada, os ticktes restaurantes etc. Essas moedas normalmente possuem aceitação restrita a certos estabelecimentos ou condições de uso e são reguladas pela legislação. Nesse grupo foram censados 7% dos instrumentos monetários pesquisados.

Derivados de coletividades de pessoas com vocação não comercial - São as moedas criadas pelas pessoas de um determinado coletivo sem uma intenção comercial, ou intervenção do Estado. Cerca de 10% dos instrumentos encontrados estão classificados neste grupo. Seguem uma lógica comunitária de trocas de bens e serviços e são, muitas vezes, empregadas em regiões onde as moedas nacionais não penetraram muito. Incluem-se aqui os sistemas de trocas baseados em unidades de cobrança acordados oralmente, como os clubes de trocas. Nesse grupo estão inseridos também os antigos sistemas de escambos (dádiva contra dádiva) ainda existentes em sociedades onde prevalecem as paramoedas.

De origem não especificamente monetários - São aqueles que não possuem originalmente uma vocação monetária, mas que acabam assumindo tal papel, tais como ativos e bens físicos. Pode-se citar aqui os pagamentos feitos em produtos agrícolas (ex. milho, soja, boi vivo etc.).

Quadro 1 - Tipologia dos instrumentos monetários

Instrumentos monetários (empregados em cobranças e nos pagamentos).

Instrumentos monetários paralelos

Instrumentos monetários derivados de uma coletividade territorial (58%) Desses 29% são considerados paramoedas
    Instrumentos monetários derivados de uma organização administrativa (7%)  
    Instrumentos monetários derivados de coletividades de pessoas, com vocação não comercial (10%).  
    Instrumentos de origem não especificamente monetários (25%)  

Fonte: Blanc (s/d) - adaptado pelo autor.

Blanc ordena também as moedas paralelas de forma transversal à classificação anterior, denominando esse novo agrupamento de paramoedas. Assinala que as paramoedas não têm vocação de substituir as moedas nacionais, mas acabam questionando as teorias monetárias atuais, pois funcionam, em vários casos, como uma moeda "normal" com o poder de compra generalizado. Geralmente as paramoedas não são vistas como concorrentes pelas autoridades monetárias, pois não são entendidas como algo com valor monetário (10). Mas essa percepção, segundo o autor, não tem respaldo na realidade, pois as moedas paralelas estão presentes por todos os lados, mesmo em momentos em que não há crise financeira.

Além do mais, o autor afirma que para se compreender melhor esse paradoxo é necessário investigar as concepções teóricas sobre a utilidade da moeda na economia. Uma corrente entende que as moedas paralelas são o resultado de reforma da organização monetária da sociedade, já a outra aborda os fenômenos específicos referentes à substituição das moedas e à hiperinflação. Blanc destaca dentro da primeira corrente as idéias de Silvio Gesell, frisando que ele pregava o aumento da circulação monetária através da depreciação organizada do valor da moeda, sem afetar os preços nominais dos bens. O pesquisador comenta também que as tentativas de colocar em prática as idéias de Gesell acabaram levando ao surgimento de moedas paralelas, criadas pelas comunidades interessadas em testar suas propostas (Blanc, s/d).

Mas o argumento central de Blanc é que ao invés de se combater as moedas paralelas seria mais interessante incorporá-las numa nova conceituação da moeda. Essa tese baseia-se nos seguintes elementos: 1) a moeda paralela pode ser um importante instrumento de política monetária. Cita os exemplos do Zaire e de outros países, onde quase não existe uma rede bancária e se adotam práticas monetárias diferentes das ocidentais; 2) o uso das moedas paralelas levanta interrogações sobre os valores sociais e antropológicos das moedas nacionais e do sistema econômica predominante. As diversas experiências de trocas locais e a criação de sistemas de microfinanciamento reforçam a percepção de que as análises tradicionais não englobam suficientemente as manifestações das comunidades; 3) como o fenômeno é permanente e generalizado merece ser incorporado. Não pode ser visto apenas de forma marginal pelas teorias monetárias e; 4) as interrogações em torno da fungibilidade da moeda.

Na sua parte final, o artigo de Blanc trata da integração social da moeda. Discute como se organizam os diferentes níveis hierárquicos, estabelecidos entre uma comunidade de pagamento (atores que se identificam com o sistema monetário nacional) e os grupos monetários (que são os conjuntos de atores com práticas homogêneas inseridas dentro da comunidade de pagamento). Deve-se salientar que em cada grupo, não se empregam todos os instrumentos da moeda nacional e se empregam alguns instrumentos paralelos.

Em resumo, além de dados interessantes a respeito da magnitude do fenômeno das moedas paralelas, o autor defende no texto que as teorias monetárias clássicas precisam ser revistas, pois quase sempre ignoram o fenômeno das moedas paralelas (11). Entretanto, o que não fica muito claro na abordagem é o grau de importância que autor deposita nas experiências das moedas sociais, que andam na "contramão" do capitalismo, como se verá no próximo tópico.

 

A moeda social da Rede Global de Troca

A experiência dos clubes de trocas que empregam a sua própria moeda vem ganhando destaque nos últimos anos, especialmente na Argentina. O uso do dinheiro próprio nos clubes de trocas vem fortalecendo a idéia da moeda social, na qual são incorporados elementos de natureza social e de criação de relações econômicas sob bases solidárias.

Nos clubes, a moeda é social porque é uma unidade de medida que favorece as trocas solidárias e os pagamentos, mas não vira reserva de valor, pois não gera mais dinheiro através da aplicação de taxas de juros. Um grupo brasileiro, que vem desenvolvendo uma experiência similar aos clubes argentinos, explica sua idéia de moeda social:

(...) não é um sistema alternativo e sim complementar à economia. Ela é produzida, distribuída e controlada pelos seus usuários. Por isso, o valor dela não está nela própria, mas no trabalho que vamos fazer para produzir bens, serviços, saberes e depois trocar com o resultado do trabalho dos outros. A moeda enquanto tal não tem valor, até que comecemos a trocar trabalho com trabalho. Aí então, ela vai servir de mediadora dessas trocas. Ela é diferente também porque a ela não está ligada nenhuma taxa de juros. Por isso não interessa a ninguém guardá-la, entesourá-la. Interessa, sim trocá-la continuamente por bens e serviços que venham responder às nossas necessidades Esta moeda será sempre um meio, nunca um fim. Não será inflacionária nem jamais poderá ser usada como especulação (Mutirão Abopuru, 2000).

É difícil precisar as verdadeiras causas para o (re) surgimento da moeda social. Para compreender as razões para tal fenômeno são necessários estudos de maior envergadura, que fogem das possibilidades do presente trabalho. No entanto, é possível enfatizar alguns aspectos, que podem servir como "pistas" explicativas para o seu aparecimento: i) a hegemonia das políticas neoliberais, que defendem o ajuste estrutural do Estado, e acarretam novas ondas de desemprego, de recessão econômica e de redução das políticas de bem estar; ii) a crítica crescente à "sociedade de mercado", na qual o dinheiro enquanto reserva de valor é visto como um de seus maiores mitos; iii) os riscos advindos com a globalização dos circuitos financeiros, em que o dinheiro volátil torna-se sinônimo de especulação e de incerteza, em escala planetária; iv) o aumento da miséria em países periféricos e dos bolsões de pobreza nas nações centrais; v) a expansão dos movimentos de resistência ao poder do capitalismo financeiro, que se cristaliza em várias partes do mundo e; vi) as moedas sociais aparecem como exemplos de constituição de redes de sócio-economia solidária.

Além do mais, as moedas sociais anulam, ainda que em pequena escala, a concentração monetária estabelecida pelas autoridades e levam ao crescimento da demanda efetiva. Como frisa Singer, a demanda efetiva é mantida baixa por políticas que impedem a monetarização de todas as necessidades(...), [uma vez que] o Banco Central impede os bancos de emprestarem dinheiro à todos os que o solicitam para comprar bens de consumo ou de produção (Singer, 1999).

Para se conhecer um pouco melhor a relação entre os clubes de troca e a moeda social tomar-se-á como subsídio as publicações dos próprios clubes argentinos e um texto escrito de Heloísa Primavera, brasileira que vive na Argentina e que é uma das principais animadoras da experiência (12).

Em seu trabalho, a autora aborda inicialmente a agonia do estado de "bem estar" na Argentina, vivido nos últimos 20 anos. Esse processo acabou gerando altas taxas de desemprego, motivado pelas políticas de ajuste estrutural e pelo fenômeno da globalização financeira. Trouxe também um quadro de incertezas e de vulnerabilidade ao país, que era considerado o mais rico da região.

O primeiro clube de trocas da Argentina surgiu em 1995, na cidade de Benal, localizada a 30 quilômetros de Buenos Aires. Foi fundado por um grupo de 20 vizinhos, com ideais ecologistas e vontade de construir um novo "estado de bem estar" (pelo menos em sua comunidade). Inicialmente, o grupo reunia-se uma vez por semana, para trocar bens e serviços como forma de melhorar a sua qualidade de vida e combater o desemprego.

Durante o primeiro ano, o Clube foi crescendo pouco a pouco, intercambiando frutas, verduras, comidas preparadas, roupas, tecidos e artesanatos. Além disso, o clube incorpora as idéias de A. Toffler, de se criar "prossumidores", o que significa incorporar na mesma pessoa, o ser consumidor e o ser produtor. Assim, para que os reais propósitos do Clube fossem atingidos todos os membros deveriam produzir e consumir ao mesmo tempo.

Para efetuar os controles foi inicialmente empregado um livro caixa, no qual se registravam todos os movimentos contábeis do Clube. Depois de certo tempo, o Clube passou a utilizar um computador, para auxiliar no gerenciamento das operações. Mas ele foi logo rejeitado, pois todos entenderam que isto centralizava demais as informações do grupo. Então, o Clube tentou seguir o exemplo dos SEL franceses, adotando o esquema dos bônus intransferíveis. No entanto, já durante a primeira feira os bônus intransferíveis passaram a ser considerados transferíveis, pois os seus portadores começaram a endossar e passá-los adiante. O mecanismo de livre circulação de bônus significou uma grande transformação qualitativa para o grupo, e o fez diferente da experiência francesa, que depois de muitos anos continuava adotando o esquema dos bônus intransferíveis. Na prática, o clube de Benal criou uma nova moeda, que foi chamada de "crédito", por espelhar os laços de confiança existentes entre os membros do grupo.

A proposta de trabalhar com o bônus transferível proporcionou um incremento imediato das trocas dentro do Clube, gerado pelas facilidades criadas pela moeda. A circulação livre de uma moeda permitiu que o grupo iniciasse uma experiência semelhante àquela defendida por Silvio Gesell. Embora o "crédito" não perdesse seu valor com o tempo, ficou claro para o grupo que o que importava era incentivar as trocas e assim gerar benefícios a todos. Acabava-se com a idéia da poupança, pois aqueles "papeizinhos" tinham utilidade somente dentro do grupo.

A experiência de Benal ganhou grande visibilidade nos anos seguintes, estimulando o surgimento de centenas de outros grupos, em toda a Argentina. Segundo Primavera (1999), os meios de comunicação e diversos governos municipais (Buenos Aires, Quilmes, Córdoba, Mendoza, Miramar Almirante Browm, entre outros) apoiaram a idéia. Até setores do mercado formal, como alguns comerciantes viram vantagens com a proposta dos clubes de troca, uma vez que os seus integrantes acabavam economizando seu dinheiro "oficial" (pesos), e gastando-os posteriormente, para adquirir itens não disponíveis nas feiras. Em 1999, os clubes de trocas argentinos (nós) já movimentavam em torno de 400 mil dólares anuais. No final de 2000, o número de clubes de trocas argentinos ultrapassava 700 e envolvia mais de 400 mil pessoas. Em dezembro de 2000, o governo federal argentino, reconhecendo a sua importância social, declarou os clubes de trocas como organismos de utilidade pública (13).

Primavera indica algumas características que possibilitaram aos clubes de trocas alcançarem grande expressão na Argentina: 1) a criação da moeda (social) incrementou as trocas e motivou a participação de novos membros; 2) a convivência experimentada pelos integrantes dos grupos, através de feiras semanais, consolidou a coesão e o sentimento de pertencimento entre os seus membros; 3) a organização da articulação entre os diversos clubes (Rede Global de Trocas) multiplicou as possibilidades das transações e; 4) a preservação da autonomia garantiu o funcionamento dinâmico e sem o estabelecimento de hierarquias entre os nós (clubes).

Por outro lado, o processo de criação e de regulação dos clubes gerou também ensinamentos, que podem ser sintetizados em alguns princípios. Esses princípios têm orientado a gestão dos clubes e da Rede Global de Trocas:

Os clubes não devem ser muito grandes (60 a 80 pessoas é o ideal), para fortalecer os laços de solidariedade e convivência entre os grupos;

É preciso estabelecer controles desde baixo, facilitando a gestão e a autonomia de cada nó;

Deve-se crescer em partes, enfatizando temas e aspectos particulares que podem ser relevantes para certos grupos;

Os erros ocorrem sempre, mas eles devem ser aceitos, pois não há receitas em projetos de constituição de redes de clube de trocas;

Cultivar retornos crescentes significa estimular as trocas dentro do clube de forma a multiplicar o estado de ânimo e de participação dos membros;

Perseguir metas múltiplas, criando maior riqueza de atividades dentro do grupo, pois sua existência extrapola a simples troca de bens e serviços. O que se deseja é, sempre, ampliar a qualidade de vida dos integrantes do clube.

Maximizar o "marginal" indica que é preciso valorizar as novas idéias. Muitas vezes as boas idéias aparecem como "desvios", que parecem não ter importância para o crescimento dos clubes. Essas idéias podem significar saltos de qualidade para o funcionamento de uma rede (como foi o caso da transformação dos bônus de intransferíveis em transferíveis);

Buscar um desequilíbrio de forma persistente mostra que é necessário romper com as idéias que defendem um (falso) controle dos clubes. Dentro da rede deve-se cultivar um clima em que a incerteza faça parte do processo. Isso é vital no gerenciamento de mudanças evolutivas, permitindo a criação de um futuro distinto;

Aceitar que "as mudanças também mudam" reforça a idéia da transformação permanente e da necessidade de se refletir sobre o papel dos prossumidores nas novas organizações (14).

A autora insiste ainda na necessidade de se visualizar os clubes com a complexidade e a heterogeneidade existente em qualquer organização social. Mesmo assim, Primavera demonstra grande otimismo quanto às possibilidades de criação de clubes de trocas em outros países, bem como com as conexões com outros processos similares.A autora cita, a propósito, os comentários positivos sobre as ações dos clubes, efetuados por Muhamad Yunus (criador do Grameen Bank) e por Paul Singer (economista brasileiro que estuda atualmente as experiências de economia solidária).

Note-se ainda que em outro artigo, Singer faz alguns comentários sobre os clubes de trocas. Assinala que os clubes podem ser considerados empreendimentos de economia solidária somente quando se preocupam em estabelecer novas relações sociais, favorecendo o crescimento solidário de seus membros. A economia solidária pretende transformar as relações econômicas baseado em princípios e postulados da cooperação, solidariedade e de inclusão, estabelecendo novas relações sociais de produção. Lembra ainda que é preciso criar mecanismos que restrinjam a competição interna - evitando o surgimento de vencedores e perdedores - e desenvolver novas ações, com potencial transformador significativo para a sociedade como um todo (Singer, 1999).

Em seu artigo, Primavera comenta as conclusões de um Seminário realizado na Finlândia, em que foi observado que as experiências de trocas solidárias, que utilizam moedas complementares em papel, têm crescido mais rapidamente que as demais, embora o uso das moedas não garanta o sucesso dos grupos. É necessário reforçar as atividades de capacitação e de promoção do desenvolvimento local. No referido Encontro foi proposto também que se estenda a idéia dos clubes para escolas, hospitais e novos espaços, bem como se estabeleça maior integração com os grupos que desenvolvem ações ligadas ao "comércio justo" (15).

De forma resumida, pode-se indicar os elementos chaves a respeito da experiência dos clubes de trocas da Argentina:

A experiência congregou alguns dos chamados "novos pobres", gerados pela crise econômica vivida pela Argentina nas últimas décadas. Muitas dessas pessoas possuíam um certo grau de escolaridade e uma visão "ecologista";

O apoio do setor governamental foi importante para a expansão e consolidação dos clubes em várias cidades do país;

Os clubes representam um esforço de militância de um número considerável de argentinos (400 mil pessoas, em mais de 700 "nós");

Apesar do surgimento de "desvios" em algumas ocasiões, tais como falsificações, tentativa de controle centralizada do dinheiro, emissão em excesso de dinheiro, a criação da moeda (bônus transferível) foi uma inovação notável e que consolidou a experiência. Para Heloísa Primavera a moeda facilitou a participação dos interessados e acelerou a expansão da Rede Global de Troca;

É necessário investir fortemente nos processos de capacitação dentro dos clubes, adotando abordagens holísticas, em que se trabalha a formação dos membros como protagonistas e a integração das diferenças. Os eventos de capacitação estimulam a noção de solidariedade, a capacidade empreendedora e a ação democrática e;

A flexibilidade estabelecida dentro da Rede Global permitiu o ajuste de visões diferenciadas, não burocratizando e engessando a experiência. O ritual de criação de novas regras parece ter atingindo o equilíbrio entre a necessidade de fortalecer certos procedimentos gerais, para dar um certo grau de coesão à rede, com a noção de autonomia e liberdade, dando vasão à criatividade em cada nó.

Primavera acredita que os clubes de troca propõem uma transformação radical do padrão e de consumo atual, pois é preciso reinventar a vida reinventando o mercado, através da confiança e da reciprocidade (Primavera, 1999).

 

Considerações finais

O fenômeno das moedas alternativas e dos circuitos de trocas sem o uso do dinheiro esteve presente principalmente na época da recessão econômica, que assolou a Europa e os EUA durante as décadas de 1920 e 1930. Fomentou-se, nesse período, a experimentação de novas teorias monetárias, como a experiência do Wära e do bônus da pequena vila de Worgl. Infelizmente a maioria dessas iniciativas foi abortada pelas autoridades monetárias, temerosas com a possibilidade de expansão da proposta de uma "economia livre".

Mais tarde, notadamente depois dos anos 1980, pode-se constatar o (re) aparecimento de uma grande variedade de novas moedas, que funcionam de forma paralela às moedas nacionais. A maioria dessas moedas, conforme se viu, atuam de forma complementar à moeda oficial, sendo emitida até mesmo pelo próprio Estado (mas que não as reconhece com tal). Várias moedas paralelas são resultado de estratégias oriundas da própria dinâmica capitalista, formuladas para facilitar a realização de transações de bens, de serviços e de outras atividades comerciais.

Mas, esse processo de monetização paralela não é resultado apenas de inovações tecnológicas e operacionais endógenas ao capitalismo. Foi possível observar também que as novas moedas podem assumir um caráter mais radical, funcionando como um instrumento educativo para quem assume uma postura contrária ao sistema sócio-econômico e financeiro vigente. Nesses casos, moedas alternativas são emitidas por grupos e coletividades, interessadas em reinventar uma nova forma de transação (e de convivência) entre as pessoas. Para seus idealizadores, esses novos instrumentos monetários representam um sinal de resistência ao predomínio das moedas oficiais, por entender que estas levam ao surgimento de desertos monetários onde muito potencial produtivo permanece inútil apenas devido à escassez do meio de ativá-lo: dinheiro (Strohalm, 2000). Ou seja, a baixa circulação da moeda colabora para a ampliação da concentração financeira das pequenas localidades e de setores empobrecidos, dificultando os planos de desenvolvimento.

Diversas tentativas de (re) criação de dinheiro "livre" estão adotando a terminologia de moeda social. Fica claro que essa adjetivação da moeda deriva da intenção de se casar uma nova forma de circulação monetária, com a implantação de iniciativas de caráter social. Isto é, busca-se, através da moeda social, fortalecer a organização comunitária, incentivar à criação de circuitos econômicos e culturais includentes, combater a concentração financeira e inverter a lógica da desertificação monetária.

Ressalte-se que as moedas sociais aparecem também em movimentos organizados por cidadãos de países de economia capitalista avançada. Nos países periféricos, ao lado da criação da moeda é necessário articular outras estratégias de inserção sócio-econômica. Somente com essa articulação, a moeda social poderá atingir grandes camadas carentes da população.

Conclui-se que a expansão dos clubes de trocas, e de outras experiências de empregos da moeda social, pode estimular a sociedade a discutir a relação entre valor e preço, permitindo a formulação de preços mais justos a partir de uma nova visão do valor (inclusive do valor social do trabalho). Vale ressaltar também que os clubes servem para quebrar o "fetiche" do dinheiro, oferecendo às pessoas uma noção mais acurada do papel da moeda na sociedade capitalista.

Com efeito, isso leva a pensar também na necessidade de novas investigações relacionadas às implicações sócio-culturais e a visão subjetiva que o dinheiro (cada vez mais circulando de forma eletrônica) vem adquirindo nas sociedades capitalistas avançadas.

A idéia dos clubes de trocas e da moeda social pode ser incorporada nas metodologias de animação de programas de desenvolvimento local, pois reforça os laços de confiança e estimula a circulação de bens e serviços entre as comunidades. Os "novos pobres" argentinos vêm demonstrando ser possível organizar formas inéditas de auto-ajuda, que associam o caráter empreendedor - pois resgatam a possibilidade das pessoas oferecerem seus produtos e serviços - com a criação de um novo mercado, que não se confunde com o mercado capitalista.

 

Notas:

1. Texto apresentado como um dos requisitos para a conclusão da disciplina Análise Sócio-Política do Sistema Financeiro no Capitalismo Contemporâneo, oferecido no semestre 2000.02, pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política (CFH - UFSC). O autor agradece as sugestões e comentários efetuados pelo colega Jacques Mick.

2. Fábio Luiz Búrigo é Engenheiro Agrônomo, Mestre em Agroecossistemas (Centro de Ciências Agrárias - UFSC) e coordenador técnico do Centro de Estudos e Promoção da Agricultura de Grupo - Cepagro. Caixa Postal 6073, Cep 88036 971- Florianópolis SC. Fone/fax 048 2333176. e-mail: burigo@mbox1.ufsc.br.

3. Ver Cedac (1981)

4. É mister ressaltar que durante boa parte do século XX as investigações de natureza sociológica em torno do dinheiro e de seu uso foram relegadas a segundo plano. Certamente, essa carência dificulta a compreensão em torno das implicações sócio-culturais do uso de moedas nacionais únicas e de moedas de circulação internacional (como é o caso do dólar). De acordo com Mizruchi e Stearns (1994) os estudos sobre dinheiro, bancos e finanças ficaram distantes dos sociólogos por décadas, prevalecendo principalmente pesquisas com enfoque econômico. Para esses autores, somente nos anos 1970 os cientistas sociais voltaram a produzir significativamente análises em torno do tema.

5. O uso de moedas alternativas à moeda oficial é uma prática relativamente pouco conhecida depois da independência no Brasil, muito embora existam exemplos em que esta medida foi utilizada, mesmo depois de ter sido estabelecida uma moeda nacional única. Sabe-se do uso de moedas alternativas em Blumenau (1898), Porto Alegre (na década de 1950), em Campina do Monte Alegre - SP (nos anos 1980).

6. O austro-alemão Silvio Gesell (1862 - 1930) viveu muitos anos na Argentina, onde através de sua atividade de comerciante pode perceber o impacto do sistema monetário capitalista, especialmente em tempos de crise. Nesses períodos, a moeda oficial torna-se escassa gerando grandes dificuldades para os setores empobrecidos e criando sérios empecilhos para se fortalecer a economia. Uma de suas idéias foi estabelecer um "mercado sem capitalismo" Seu modelo de economia livre defendia a idéia de se "oxidar a moeda", criando estímulos à circulação do dinheiro, através de taxas de juros negativas e fortalecendo, conseqüentemente, a economia local. Suas idéias principais a respeito do tema, consideradas impraticáveis por muitos economistas de sua época, estão descritas na obra "A Ordem Econômica Natural", e foram colocadas em prática na Áustria, França, Alemanha, Espanha, Suíça e nos Estados Unidos (Trueque, 1999). Keynes, em sua obra Teoria Geral do Emprego do Juro e da Moeda, muito embora não acreditando na praticidade de se etiquetar as moedas com carimbos de desvalorização, se interessou em comentar com respeito as concepções de Gesell.

7. Pode-se argüir no sentido contrário, afirmando que as experiências aqui relatadas foram abortadas em tão curto espaço de tempo, que não permitiram prever todas as conseqüências positivas que o sistema poderia trazer ao tecido social.

8. Para estimular o contato pessoal, nos SEL não são feitas trocas por telefones. Além disso, são organizadas festas, assembléias, passeios etc. como forma de aumentar a convivência do grupo.

9. Ver bibliografia

10. Uma moeda nacional tradicionalmente assume as seguintes características: Única: responde apenas a uma autoridade monetária; Exclusiva: é a única que possui o poder generalizado de compra e; Propriedade do Estado: confere poder do Estado dentro de seu território (Blanc, s/d).

11. Para a organização não governamental holandesa Strohalm, no futuro as moedas nacionais perderão sua importância, ou seja: na era de informação, a moeda nacional será apenas o meio de cálculo para que possamos designar o valor de bens e serviços. Está previsto que, fazendo uso da internet, se desenvolverá uma competição para definir quem colocará em circulação o meio de troca mais aceito [...] Atualmente, grande parte do comércio internacional é efetuado sem a utilização de dólares ou euros, e sim através de transações eletrônicas que definem relações de troca. (Strohalm, 2000).

12. O texto: La moneda social de la red global de trueque en Argentina: barajar y dar de nuevo en el juego social, foi apresentado originalmente pela autora durante o Seminário Internacional "Globalisation of Financial Markets and its Effects on the Emerging Countries", organizado pelo Instituto Internacional Jacques Maritain, Cepal e Governo do Chile. O evento ocorreu na cidade de Santiago, de 29 a 31 de março de 1999.

13. Informações prestadas ao autor pelos líderes do movimento argentino, durante a realização de uma oficina de trabalho do Fórum Social Mundial, ocorrido em Porto Alegre de 25 a 30 de Janeiro de 2001.

14. Cabe aqui citar dois exemplos de inovações que estão sendo testados pelos "nós". Um clube está colocando em prática um programa de microcrédito em moeda social. Nesse programa dois grupos de cinco prossumidores receberam um empréstimo solidário (em moedas do clube), com o objetivo de incentivar novos empreendimentos. Com o pagamento dos créditos pretende-se criar um Fundo Rotativo, para apoiar novos beneficiários. Outro exemplo refere-se à criação de normas para se evitar a "poupança" nos clubes, como defendia Silvio Gesell. Foram estabelecidas penalidades para quem acumular moedas, dentro de certo período. Até aquele momento, nenhum membro tinha sido penalizado (Trueque, 1999).

15. As redes de Mercado Justo defendem um novo modelo comercial intencional, no qual o valor do trabalho necessário para manter os produtores seja reconhecido e incorporado nos preços das mercadorias. Seguindo o exemplo do que ocorre atualmente com os produtos orgânicos, em vários países europeus, dos Estados Unidos e do Japão há um número expressivo de consumidores dispostos a pagar um pouco mais por esses produtos, como forma de apoiar o movimento. Para isso são efetuados contratos entre grupos de pequenos produtores de países produtores (América Latina e África principalmente) e as organizações das nações compradores (normalmente ONGs interessadas na difusão desse tipo de "mercado"). Atualmente os produtos mais comercializados nesse esquema são o café, frutas, sucos e artesanato em geral. Segundo um técnico de uma ONG alemã que atua no setor, o Mercado Justo ocupa atualmente 1% do mercado europeu de alimentos. Mas poderia alcançar até 7% em pouco tempo, desde que seja incrementado o trabalho de divulgação e de distribuição dos produtos.

 

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